Capitulo Sete: Como uma decisao pode ser tomada sem unanimidade?

PERGUNTA: Como uma decisão pode ser considerada “decisão de assembleia” quando muitos na assembleia não concordam com ela?

RESPOSTA: Talvez eu devesse fazer alguns comentários sobre como é formulada uma “decisão de assembleia” antes de responder esta pergunta. Quando os problemas surgem e se faz necessário um julgamento ou ação administrativa para algo relacionado à assembleia, os irmãos responsáveis se reúnem à parte da assembleia para entenderem melhor os fatos e buscar nas Escrituras como a assembleia deve agir. Este princípio é encontrado em Atos 15. Embora o que vemos em Atos 15 não seja exatamente uma reunião de irmãos, como costumamos chamar, já que ali era uma reunião de irmãos de diversas localidades, a passagem estabelece o princípio de que os assuntos podem ser examinados por irmãos responsáveis à parte da assembleia como um todo. Ali diz: “Congregaram-se, pois, os apóstolos e os anciãos para considerar este assunto” (At 15:6). Repare que as irmãs, irmãos jovens e novos convertidos não são mencionados como participando da reunião. As coisas não devem ser todas discutidas em detalhe perante toda a assembleia, pois podem ocorrer alguns debates (At 15:7) que não ficariam bem em uma reunião pública. Além disso, há coisas que são tratadas que poderiam contaminar e não serem apropriadas em uma circunstância assim (1 Co 14:40).

O modo normal de o Senhor guiar biblicamente a assembleia em suas responsabilidades administrativas é por meio daqueles que “presidem” (1 Ts 5:12-13; Hb 13:7, 17, 24; 1 Co 16:15-18; 1 Tm 5:17). Presidir ou liderar nestas questões não se refere a liderar no ensino ou pregação pública, mas nas coisas administrativas da assembleia. Confundir estas duas coisas é não entender a diferença entre dom e ofício. Alguns daqueles que “presidem” podem nem sequer ensinar publicamente, mas é muito bom e proveitoso quando eles o fazem (1 Tm 5:17). Estes homens devem conhecer os princípios da Palavra de Deus e estarem capacitados a apresentá-los de modo que a assembleia possa entender o curso de ação que Deus gostaria que ela tomasse no caso em tela (Tt 1:9). Estes homens não se elegem a si mesmos para este papel, mas são levantados pelo Espírito Santo para tal obra (At 20:28). Eles serão reconhecidos pela assembleia como pessoas que têm se dedicado ao cuidado dos santos e também pelo conhecimento que têm de princípios, sendo reconhecidos como aptos em sua experiência e capacidade de julgar.

Há três palavras gregas usadas nas epístolas para descrever estes líderes responsáveis na assembleia local.

  • A primeira, “anciãos” (Presbuteroi) refere-se àqueles de idade avançada e implica maturidade e experiência. Todavia, nem todos os homens mais velhos na assembleia atuam necessariamente como  líderes (1 Tm 5:1; Tt 2:1-2).
  • A segunda é “bispos” (Episcopoi), que tem o sentido de supervisores e se refere ao trabalho que fazem, que é o de pastorear o rebanho (At 20:28; 1 Pe 5:2), zelando pelas almas (Hb 13:17) e admoestando (1 Ts 5:12).
  • A terceira é “guias” (Hegoumenos), que tem o sentido de líderes e se refere à sua capacidade espiritual de liderar os santos.

No livro de Apocalipse aqueles que têm este papel são chamados de “estrelas” e também de “o anjo da igreja em [localidade]” (Ap 1-3). Como “estrelas” eles devem agir como portadores de luz para a assembleia local, dando testemunho da verdade de Deus (os princípios de Sua Palavra), e provendo luz sobre os diversos assuntos com os quais a assembleia possa ser confrontada. Isto está ilustrado em Atos 15. Apesar de ali a ação não se referir exatamente ao ligar e desligar, podemos aprender princípios valiosos de sua função administrativa na igreja. Depois de escutarem do problema que estava afligindo a assembleia, Pedro e Tiago lançaram luz sobre o assunto. Tiago aplicou um princípio da Palavra de Deus e deu sua opinião quanto àquilo que ele cria que o Senhor gostaria que fizessem (At 15:15-21). Atuando como “o anjo da igreja” aqueles que tinham este papel devem servir de mensageiros para levar o pensamento de Deus à assembleia na hora de uma decisão ser tomada. Isto é também ilustrado em Atos 15:23-29.

Quando estes irmãos sentem que têm discernimento de qual seja a vontade do Senhor baseada nas Escrituras, com respeito ao que a assembleia deve fazer em uma situação em particular, então eles apresentam os fatos e as conclusões bíblicas diante da assembleia (não necessariamente os detalhes, pois estes poderiam contaminar outros), de modo que a consciência de todos possa ser exercitada no assunto (At 15:22). Então aquela é uma decisão “ligada” ou ratificada (Mt 18:18-20). É chamada de “decisão de assembleia” porque ela foi tomada em assembleia, isto é, quando a assembleia se reuniu como tal, tendo o Senhor em seu meio, e por ser assim uma decisão válida (1 Co 5:4). Não significa que seja uma decisão com a qual todos na assembleia concordem.

Alguém perguntou: “Quem é que decide o que deve ou não ser apresentado à assembleia para ser decidido?”. Nossa resposta é: o Senhor. Ele é a Cabeça da igreja e a assembleia deve buscar a direção dEle (Cl 2:18). Os irmãos responsáveis podem ter de analisar uma questão para obter os fatos, mas uma vez que estejam certificados daquilo é a Palavra de Deus que decide o que deve ser feito.

Alguns acham que os irmãos devem simplesmente formular uma proposta para a assembleia, e quando a trouxerem diante da assembleia caberá a esta decidir por maioria. Esta ideia não passa de democracia. Apesar de existir alguma verdade nisto, os irmãos que assumem a liderança são responsáveis por se certificarem de que a assembleia esteja sendo guiada em um curso de ação fundamentado na Bíblia, independente de todos concordarem ou não. Se não fosse assim, o julgamento piedoso e bíblico de irmãos mais velhos e responsáveis (que entendem os princípios e sabem que caminho tomar) poderia ser neutralizado pelas irmãs, pelos menos experientes e também por pessoas com sentimentos partidários. Deste modo o julgamento bíblico ficaria sujeito àqueles com menor experiência ou discernimento, ou que não fossem imparciais quanto aos assuntos da assembleia. Algo assim obviamente não seria correto. Alguns parecem pensar que os irmãos não poderiam agir até receberem um “OK” dessas pessoas, mas isto equivaleria ao povo controlar seus líderes, o que é a raiz da democracia. Muitos tropeçaram nisto quando os anciãos procuraram levar adiante um julgamento bíblico enquanto alguns discordavam da ação.

Isto não significa que os anciãos tomem decisões administrativas na assembleia sem que os demais santos possam opinar. É possível que irmãos mais novos venham a ter a mente do Senhor em uma determinada questão quando os irmãos mais velhos a deixaram passar (Jó 32-33). Em casos assim os irmãos mais velhos deveriam aceitar de bom grado a luz lançada sobre a questão, e que talvez eles não tivessem percebido. Mas na vida normal da assembleia são os irmãos mais velhos e experimentados que compreendem os princípios envolvidos e que têm sobre si o peso moral nestas questões de assembleia.

Nada pode ser oficialmente decidido sem que a assembleia tenha a oportunidade de ter sua consciência exercitada com o assunto, e é por isso que os anciãos procuram atingir a consciência de todos na assembleia ao exporem o assunto a eles (At 15:22). Os irmãos que lideram deveriam ser sensíveis a qualquer objeção legítima que outros na assembleia possam levantar. Mas no final serão eles os responsáveis, como “o anjo” da igreja, por agirem para a glória de Deus (Ap 2-3). Mas não será uma decisão tomada pela assembleia até que seja feita em assembleia, naquilo que às vezes é chamado de reunião para disciplina (Mt 18:19-20; 1 Co 5:4).

Ao formularem as questões para decisão da assembleia, os líderes responsáveis devem procurar tocar a consciência de todos na assembleia local, de modo que todos possam ser exercitados no assunto. Todavia a assembleia pode não agir segundo a consciência de alguns. Como já foi mencionado, isto ocorre porque estes talvez sejam novos na fé e suas consciências podem não estar suficientemente iluminadas por princípios bíblicos para serem capazes de formar um juízo correto. Pode ser o caso também de existirem pessoas mundanas e sem discernimento espiritual entre os irmãos, ou serem tendenciosas em relação à questão. Em todo caso, o julgamento de pessoas assim deve ser descartado. As Escrituras não exigem que se busque a satisfação de todos na assembleia para que uma decisão seja acertada.

Nestes últimos dias, quando a vontade do homem está cada vez mais evidente em sua tentativa de prevalecer na igreja, não podemos esperar obter unanimidade nos julgamentos feitos pela assembleia. Foi o que aconteceu no julgamento ocorrido em Corinto. Em 2 Coríntios 2:5 diz: “Se alguém me contristou, não me contristou a mim senão em parte [...] a vós todos” (A versão J. N. Darby coloca em dúvida a originalidade das palavras entre chaves). Aparentemente nem todos na assembleia em Corinto ficaram contristados com o pecado que havia no meio deles. Apesar disso, mesmo assim a assembleia levou adiante a ação para a glória de Deus.

Ao lidar com uma situação de heresia será muito raro -- ou até impossível -- obter a aprovação da pessoa que a assembleia está julgando. Além disso, seus familiares e amigos podem protestar, portanto dificilmente se conseguirá unanimidade. J. N. Darby escreveu: “A unanimidade é absurda, é uma negação do poder e da operação do Espírito, e claramente contrária à Palavra de Deus. Primeiro, ela é absurda porque até a questão ter sido decidida a pessoa que está sendo acusada faz parte da assembleia, e você não vai conseguir convencê-la a julgar-se a si mesma guiada pelo Espírito”.

Ocasionalmente decisões foram tomadas pela assembleia quando alguns poucos irmãos não estavam presentes na reunião de irmãos ou na reunião da assembleia, quando a decisão foi tomada. Isso levou alguns a pensarem que aquela não poderia ter sido uma decisão válida da assembleia e ratificada no céu. O argumento destes era: “Mas os irmãos não estavam todos presentes para decidir!”. Mais uma vez isto não passa de uma ideia democrática. A assembleia agindo dentro de sua capacidade administrativa sem que todos estejam presentes não é uma ideia estranha às Escrituras. Vemos o princípio registrado em 1 Coríntios 15:5, em conexão com o ofício do apostolado. Ali diz: “E que foi visto por Cefas, e depois pelos doze”. Quando comparamos a passagem com Lucas 24:34-48 e João 20:19:24 descobrimos que quando o Senhor apareceu a eles estavam presentes apenas dez dos apóstolos, todavia eles são chamados de “os doze”. Judas havia se enforcado e Tomé não estava ali. De acordo com Atos 1, Matias ainda não fazia parte dos “doze”. A sua escolha não aconteceu senão depois de o Senhor ter completado todas as suas aparições como ressuscitado (nos 40 dias) e ter subido aos céus. Todavia, aqueles reunidos são, mesmo assim, chamados de “os doze”. Disto aprendemos que “os doze” é um termo usado para designar o ofício administrativo que eles exerciam e a autoridade que tinham para agirem como tal. Nas epístolas aos Coríntios, onde a função e ordem da assembleia nos são apresentadas, o princípio ensinado ali está bem de acordo. Também é digno de nota que as aparições do Senhor às mulheres não são citadas em 1 Coríntios 15, pois a administração da assembleia é dada aos irmãos responsáveis. Isto demonstra que a assembleia, quando age em sua capacidade administrativa, não precisa contar com a presença de todos para que suas decisões sejam tomadas.

A assembleia não é uma instituição democrática que toma suas decisões por meio de voto majoritário, permitindo que cada pessoa participe da decisão com respeito ao assunto envolvido. Uma vez escutamos um irmão mais jovem dizer: “Eu tenho tanto direito de me expressar aqui quanto ele”, referindo-se a um irmão mais velho e sério, que havia se dedicado ao cuidado da assembleia por 50 anos. Fomos obrigados a dizer ao jovem que aquilo não era assim. Existe uma coisa chamada ‘peso moral’, e isto é obtido por meio de anos de caminhar em fidelidade ao Senhor e cuidando dos santos. Os que ocupam uma posição de liderança e guiam a assembleia levam sobre si o peso da assembleia nas questões administrativas. Por exemplo, poderia ser o caso de seis ou sete irmãos mais jovens desejarem algo, mas três ou quatro irmãos mais velhos e sérios pensarem o contrário. Já que o julgamento dos irmãos mais velhos deve ser respeitado, pois eles levam sobre si o peso moral na assembleia, o que o Senhor deseja é que os jovens se submetam a tal julgamento, caso tenham uma opinião contrária. Eles devem se satisfazer em seguir a liderança espiritual de seus irmãos mais velhos.

RESUMINDO: A resposta breve a esta questão, de quando nem todos concordam numa assembleia, é que a assembleia não é uma democracia, e a unanimidade não é necessária para se tomar uma decisão em assembleia. Aqueles que lideram levam sobre si o peso da responsabilidade nas ações administrativas da assembleia. Eles são responsáveis por garantir que a assembleia siga caminhando de forma bíblica, quer todos concordem ou não com uma determinada decisão.



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