Capitulo Seis - Como pode ser o lugar certo com tantas coisas erradas?

PERGUNTA: Como este pode ser o lugar correto quando existe toda sorte de coisas erradas acontecendo? Há disputas, divisões, mundanismo etc. Se o Senhor estivesse verdadeiramente no meio Ele não permitiria que tais coisas acontecessem.



RESPOSTA: O problema é que transformamos a tolerância para com o mal em uma assembleia no critério para julgar se ela está ou não reunida no terreno correto. Certamente entendemos como alguém pode chegar a tal conclusão: eu e você naturalmente acharíamos que se o Senhor estivesse verdadeiramente no meio de um determinado grupo de cristãos, ali não existiriam problemas. Ele não permitiria que aquele grupo seguisse adiante, pois se o fizesse estaria sendo condescendente como o erro -- o que Ele não faria.

Bem, não somos os primeiros a levantar tal questão. Há muito tempo Gideão perguntou: “Ah, Senhor... se o Senhor está conosco, por que aconteceu tudo isso?” (Jz 6:13). Tal questão resulta de uma falsa premissa. A verdade é que o Senhor está no meio dos “santos reunidos” para sancionar esse terreno eclesiástico, o que não significa que Ele esteja sancionando a condição dessas pessoas. As Escrituras fazem distinção entre as duas coisas, e precisamos fazer o mesmo. Se nós as enxergarmos como uma coisa só, acabaremos chegando a conclusões equivocadas. Isto vale também para a vida pessoal e a vida em assembleia. Por exemplo, como crentes, o Senhor está conosco o tempo todo no sentido individual (Mt 28:20; Hb 13:5), mas não podemos concluir que Ele aprove tudo o que fazemos. E, evidentemente, o mesmo ocorre com a assembleia.

Isto está ilustrado em Malaquias. Como você sabe, Malaquias teve o solene dever de entregar a última mensagem de Deus ao Seu povo terreno -- os judeus -- antes da vinda do Senhor. Nos dias de Malaquias o povo estava na posição correta, porém na condição errada. Havendo retornado da Babilônia para Jerusalém, o centro divino daqueles dias, eles estavam no lugar correto. Por isso contavam com a presença do Senhor “com” eles (Ag 2:4-5). Mas eles estavam na condição errada, e por isso Malaquias foi enviado para exercitar o povo a este respeito. Podemos pensar em como o Senhor poderia habitar entre eles quando existia ali toda sorte de coisas erradas acontecendo, mas a razão é que a presença do Senhor com o Seu povo (coletivamente) não significa que Ele esteja aprovando sua condição.

No Novo Testamento encontramos a mesma coisa. As condições na assembleia em Corinto eram deploráveis. Existia todo tipo de coisas ruins acontecendo ali -- divisões, fornicação, má doutrina e outras que abalavam os fundamentos da fé. Mesmo assim o apóstolo Paulo escreveu dirigindo-se a eles como “a igreja de Deus”. Eles continuavam a ser reconhecidos como uma assembleia “de Deus”, no que diz respeito ao terreno que ocupavam. Deus os reconhecia assim. No capítulo 5 Paulo afirma que quando “reunidos”, era com o poder de Jesus, nosso Senhor” que eles eram vistos. De acordo com Mateus 18:18-20 este poder ou autoridade só é possível com o Senhor estando no meio. Portanto, aquela assembleia não apenas era reconhecida por Deus, mas o Senhor estava em seu meio. Repare que ali não diz “Onde dois ou três, em boas condições, estiverem reunidos... aí estou eu no meio deles”. Não se trata de algo condicional.

Mais uma vez nos questionamos como o Senhor poderia mesmo assim Se identificar com uma assembleia que estivesse tão errada. A questão é que o Senhor não aprovava o mal em Corinto; Ele não iria suportá-lo indefinidamente, pois se assim o fizesse estaria passando uma mensagem equivocada para a comunidade. Mas o ponto da carta de Paulo é que o Senhor estava dando a eles a chance de se arrependerem. Cedo ou tarde o apóstolo precisaria agir em nome do Senhor e tratar em juízo com aquela assembleia, caso eles não se corrigissem (1 Co 4:21; 2 Co 1:23). Como você sabe, o aviso dado na primeira epístola foi recebido, e os santos em Corinto se arrependeram e corrigiram as coisas que estavam erradas (2 Co 7:6-16). Isto demonstra que o Senhor não remove o candeeiro rapidamente de um lugar, mas dá a chance de arrependimento quando as coisas estão erradas (Ap 2:21). É interessante notar que em Apocalipse 2:5 a palavra “brevemente”, que aparece na versão Almeida Corrigida, não consta do texto original grego. Ali deveria estar simplesmente “A ti virei, e tirarei do seu lugar o teu castiçal, se não te arrependeres”.

A partir da falsa premissa de que o Senhor não poderia estar no meio de uma assembleia que estivesse praticando o erro vem a ideia de que nós deveríamos abandoná-la em razão de sua condição ruim. O argumento é que, se o Senhor não está ali, nós também não deveríamos estar, pois não gostaríamos de estar onde o Senhor não está no meio. Alguns que queriam abandonar a assembleia de qualquer maneira usaram este falso argumento como uma desculpa conveniente para uma saída rápida. A velha ladainha é: “O mal está aqui e o Senhor certamente não quer que eu esteja em comunhão com o mal!”.

O erro está em imaginarmos que exista um determinado grau de problemas e males que possa ser tolerado em uma assembleia, e que se esse limite for ultrapassado a assembleia, de algum modo, perderá misticamente seu status de estar reunida sobre o terreno divino. Já que cada um tem uma ideia diferente de que grau seja esse, fica para cada um decidir quando é que ele acha que a assembleia já não está verdadeiramente congregada ao nome do Senhor. Isto nos faz lembrar da época quando os juízes governavam. No final daquele livro diz: “Naqueles dias não havia rei em Israel; porém cada um fazia o que parecia reto aos seus olhos” (Jz 21:25). É triste admitir, mas coisas assim levam à confusão.

Muitos têm perguntado: “Quando é que uma pessoa deveria abandonar uma assembleia?” A resposta é simples: você sai quando o Senhor sair. Mas quando é que isto acontece? Nos dias dos apóstolos seria quando a assembleia deliberadamente se recusasse a corrigir seus erros e um apóstolo fosse obrigado a tratar do assunto com seu juízo apostólico e agindo pelo Senhor (1 Co 4:21; 2 Co 1:23). Hoje seria quando outra assembleia reunida ao nome do Senhor, depois de muita insistência e paciência, deixasse oficialmente de reconhecer aquela como sendo uma assembleia congregada sobre o terreno divino. Esta seria uma decisão tomada em nome do Senhor (Mt 18:18-20).

Se acharmos que devemos deixar uma assembleia por causa de certas coisas que ocorrem ali, mesmo ela não tendo sido formalmente repudiada por outra assembleia reunida ao nome do Senhor, estaremos fazendo algo à revelia do Senhor. Seria o mesmo que dizer que somos mais santos que o próprio Senhor. Se Ele ainda pode estar no meio de uma assembleia em erro (ainda que entristecido por causa da condição dela), nós também podemos permanecer ali.

O que podemos fazer até que o problema seja corrigido, ou a assembleia seja repudiada, é “chorar” por causa do péssimo estado da assembleia. Pode ser que o Senhor interfira em uma ação administrativa e trate do problema ou das pessoas envolvidas com o erro (1 Co 5:1-2). Mas as Escrituras não indicam que devamos deixar uma assembleia por causa de sua condição ruim. W. Potter escreveu: “Suponha que esta assembleia tenha chegado a uma condição deplorável. O que devemos fazer é nos humilharmos diante do Senhor, e não sairmos dela... Se o Espírito de Deus nos reuniu ao nome do Senhor, não ousaríamos abandonar esta posição até termos a Palavra de Deus neste sentido”.

A terceira epístola de João nos dá luz a este respeito. As condições na assembleia local onde Gaio morava eram terríveis -- para dizer o mínimo. Um ancião naquela assembleia (Diótrefes) havia deixado seu papel de guiar, cuidar e apascentar o rebanho para assumir o controle da assembleia, e governá-la de modo carnal. Ele agia como uma locomotiva desgovernada. O resultado era que muitos acabavam machucados por sua brutalidade e seu modo egoísta de ser (veja Jeremias 10:21). Os seis males de Diótrefes eram:


  1. Ele amava a preeminência, havendo assumido o exclusivo controle da assembleia.
  2. Ele censurou uma carta do apóstolo João endereçada à assembleia.
  3. Ele acusava injustamente os apóstolos com palavras maliciosas.
  4. Ele se recusava a receber obreiros que viajavam trabalhando na Palavra e na doutrina.
  5. Ele impedia os que queriam receber os obreiros.
  6. Ele excomungava as pessoas injustamente.

Poderíamos perguntar: “Em tais condições, o que poderíamos fazer?” (Sl 11:3). Você irá reparar que existem duas coisas que são notórias por sua ausência na epístola: Primeiro, João não diz a Gaio para abandonar a assembleia por causa das coisas terríveis que estavam acontecendo ali. João não disse a ele: “Gaio, você não precisa aguentar isso; simplesmente pegue suas coisas e saia”. Não, aquela não era uma opção. Segundo, João não diz a Gaio para reunir Demétrio e alguns outros irmãos dali e colocarem aquele homem fora de comunhão (excomungarem). Não que aquilo não devesse ser feito -- teria sido a coisa certa a fazer. Mas esta epístola aborda a questão em uma assembleia quando as condições haviam chegado a tal ponto que não existia qualquer poder para lidar com o mal. (Sendo esta uma “terceira” epístola, ela apresenta condições que haviam se desenvolvido a partir do que é encontrado nas “segundas” epístolas). De nada adiantaria lutar contra Diótrefes, pois aqueles que tentaram fazê-lo acabaram eles próprios fora de comunhão! Portanto, tentar excomungá-lo não era uma opção.

Quando as coisas chegam a tal ponto em uma assembleia, esta epístola nos mostra que ainda existe um recurso -- o próprio Senhor. Sendo Ele a Cabeça da igreja, naquela época Ele podia enviar um apóstolo para lidar com o problema. Isto é visto nas palavras de João: “Se eu for, trarei à memória as obras que ele faz” (vers. 10, 14). João planejava ir àquela assembleia e tratar com Diótrefes em juízo apostólico. Seria uma intervenção divina, pois sua ação como apóstolo seria na realidade uma extensão da autoridade do Senhor. Hoje não existem apóstolos na terra para intervirem em nome do Senhor desta maneira, mas o Senhor pode ainda intervir administrativamente -- em uma maneira providencial -- em situações difíceis nas assembleias. Talvez isto, em nossos dias, seria o equivalente à ida de João naquele tempo. Assim como Gaio e todos os santos que estavam passando por um exercício semelhante naquela assembleia, devemos aguardar o Senhor agir no Seu devido tempo.

Enquanto isso João disse a Gaio: “Amado, não sigas o mal, mas o bem”, ou seja, não caia no mal de Diótrefes. Parece que o apóstolo se antecipou à dúvida que Gaio poderia ter, de como agir na difícil situação pela qual a assembleia passava, por isso João aponta para Demétrio. “Todos dão testemunho de Demétrio, até a mesma verdade”, como se estivesse dizendo, “ele é o exemplo que você deve seguir”. Isto é maravilhoso. “Todos”, inclusive Diótrefes! Isto significa que Demétrio vivia de tal maneira que tinha um bom testemunho até de Diótrefes. Todavia João acrescenta: “até a mesma verdade”. Isto indica que Demétrio não havia comprometido nem um pouco a verdade. Significa que ele havia encontrado uma maneira de seguir adiante na presença de Diótrefes e ainda assim viver de modo a agradar ao Senhor.  Isto nos mostra que existe uma maneira de seguirmos em frente, mesmo nas circunstâncias mais difíceis em uma assembleia. A solução está em não abandoná-la.

RESUMO: A existência de problemas ou do mal em uma assembleia não significa que aquela assembleia não esteja sobre terreno divino, mas que está em uma condição ruim. Se uma assembleia continuar no erro, ela eventualmente acabará formalmente repudiada e não estará mais reunida ao nome do Senhor. Enquanto isto não acontece, o Senhor continuará em seu meio, ainda que certamente entristecido por aquela condição deprimente. Nossa responsabilidade é permanecer ali até o Senhor intervir para corrigir as coisas, ou até que aquela assembleia seja formalmente deixada de lado.



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